Quem espera uma vida fácil não precisa de um amor. Precisa ganhar na loteria

Amar dá o maior trabalho. E como qualquer outro ofício, às vezes significa sofrimento, sim! Porque por mais que você adore o que você faz ou com quem você está, sempre há de existir uma chateação ou duas na sua lida de um dia depois do outro

Cá entre nós, viver nunca foi a coisa mais fácil da vida. Há quem responda “é fácil, sim. A gente é que complica tudo!”. Concordo, mas mesmo tentando não complicar nada, ainda assim viver é coisa delicada. Quase sempre, exige de nós muito mais do que temos a dar no momento. E, vai entender, ainda assim viver é a melhor coisa da vida. A melhor e a mais difícil. Pronto.

Quando o caso é viver com amor, então, põe dificuldade nisso. Quem tem certeza de que o amor não dá trabalho, não requer esforço, que vem de graça e se não “fluir tranquilo” não é amor, como se esse “fluir tranquilo” fosse coisa parecida com um mar de benesses infinitas, uma vida de passeios no sol e carinhos pra lá e pra cá sem nenhuma aporrinhação, estudar matemática com uma criança de oito anos é uma boa chance de repensar essa convicção.

Se essa criança for o seu filho, o sujeito que você mais ama na vida, aí a prova é ainda mais contundente e irrefutável. Amar dá trabalho, sim!

Seu filho, que não gosta nem um pouco de somar, subtrair, multiplicar e dividir, pelo menos não tanto quanto ele adora os videogames, faz birra, corpo mole, resiste, grita, chora. Porque ele não quer estudar matemática no sábado e no domingo, mesmo sabendo que vai ter prova na semana. Cabe a você, que o ama, contornar essa resistência com todo amor do mundo, persistir e dar um jeito, estudar com ele, ficar perto, acompanhá-lo. Mesmo que a sua vontade às vezes, depois da segunda malcriação, seja tirá-lo da escola que custa uma fortuna e empregá-lo numa mina de carvão.

Porque você o ama, você persiste. Mas nem sempre é bom! Nem sempre é tranquilo.

Com os casais deve ser mais ou menos assim. Nem sempre é agradável passar o domingo na casa da sua sogra, ir ao aniversário da tia do seu namorado. Viajar à praia com a família inteira do seu marido. Nem sempre é bom. Mas são concessões que todos os amantes fazem.

Quem não está disposto a conceder, talvez não ame mais, ué. É muito simples. Nesse caso, abandonar o barco é o que de mais sincero se pode fazer. Há muito mais dignidade em deixar o seu parceiro ser amado por alguém com a disposição que você não tem do que infernizar a vida dele para sempre. Por outro lado, é muito mais honesto seguir em frente só do que passar os próprios sentimentos para trás.

Amar dá o maior trabalho. E como qualquer outro ofício, às vezes significa sofrimento, sim! Porque por mais que você adore o que você faz ou com quem você está, sempre há de existir uma chateação ou duas na sua lida de um dia depois do outro. Por mais que um professor idolatre suas próprias aulas, lá pelas tantas ele vai se aborrecer por corrigir tanta prova no fim de semana. E corrigir provas é inevitável para a qualidade do seu trabalho. Médicos, advogados, engenheiros, artistas. Nenhum deles está livre de aborrecimentos. Se quiserem continuar a exercer sua profissão, têm de encarar desgostos obrigatórios. Por mais que amem o que fazem, uma hora seu ofício vai trazer uma dose de sofrimento! Mais para uns, menos para outros. E para levar seu trabalho adiante é preciso empenho, labuta, dedicação. Isso tudo de quando em vez dá um cansaço enorme e uma dor nas costas insuportável.

O tamanho, a qualidade e a força do nosso amor deviam ser medidos, então, pela extensão da nossa boa vontade e da nossa disposição para, uma hora ou outra, sofrer.

Se ninguém é perfeito, logo o amor que nasce de cada um de nós também não há de ser. Essa ilusão da perfeição, da facilidade dos relacionamentos ideais só tem gerado frustração e nos transformado em preguiçosos amorosos, sentimentalóides reclamões e mal amados, sentados sobre a nossa pretensa perfeição inútil, esperando o amor incondicional do parceiro impecável, a família irretocável, o trabalho que só traz alegria e o filho que nunca faz malcriação.

Eu tenho a impressão de que a leveza divina dos nossos amores – seja o amor dos pais por seus filhos, o amor por um ofício, o amor entre casais ou o amor universal pelo próximo – essa leveza só vem acompanhada de muito trabalho pesado.

Amor, esse que chega e só fica quando a gente cuida, dá um trabalhão danado. Sejamos honestos com ele. E vamos ao trabalho, que amanhã tem sempre uma nova prova à espera.

* André J. Gomes

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