Sem hora marcada

 


Agora não posso

agora não consigo

isso não é para mexer

isso é só para dias especiais 

agora não posso

agora não consigo

isso fica para depois

isso fica para mais logo 

agora não posso

agora não consigo

talvez um dia

talvez noutra altura 

agora não posso

agora não consigo

depois vê-se

depois

depois

depois

[...] 

... e o tempo passa 

tanta pressa de fazer

tanta correria desmedida

tanta ânsia de ter

tanta vontade perdida

tanto importante deixado para amanhã 

... e um dia o amanhã 

não chegou...

... e um dia o amanhã 

acabou 

estes dias,

abri uma caixa de memórias 

e tinha lá tesouros desse tempo

dessa pressa

dessa ilusão 

a toalha de mesa dos dias especiais

apodreceu

o jogo bordado virou mofo 

sem ninguém lhe mexer

os postais ficaram manchados 

nos "para depois"

as molduras ficaram vazias 

nos para mais logo 

no "talvez um dia"

ficaram sem vender as peças pedidas 

no talvez noutra altura

ficam os livros por abrir

histórias por contar 

e nos tantos "depois vê-se"

a vida foi adiada 

no mais importante 

e muitas paisagens bonitas 

de afetos e manifestos 

ficaram por serem vistos

sentidos

vividos! 

teimamos em viver a vida 

a achar que ela é eternidade

teimamos a viver a vida como se tivéssemos todo o tempo do mundo 

teimamos viver a vida nesse esquecimento e nesta insanidade da dualidade expressa numa pressa desenfreada por alcançar coisa nenhuma deixando a meio

aos pedaços

esquecidas

as prioridades verdadeiras

de valor incalculável 

até ao dia

em que a morte chega

e as suspiramos

a cada uma delas

como as maiores preciosidades 

que não seja preciso chegar a morte para que a vida seja reconhecida no seu verdadeiro valor 

que a vida seja honrada

e tomada

em cada seu instante 

em vida 

que a vida seja

VIVIDA 


[em oração] 


Texto Sónia Machado Araújo 

Página sem hora marcada 

Foto Google

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